quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Possibilidades Alternativas: uma objecção ao Determinismo Moderado

Duelo hamilton-burr-duel

O Determinismo Moderado considera que o determinismo e o livre-arbítrio são compatíveis. O desejo do agente é o último elemento de uma cadeia causal constituída por causas que o agente não controla, mas que não lhe tiram a liberdade. Desde que nenhuma coacção imediata o impeça de agir de acordo com esse desejo o agente é livre. A sua acção é simultaneamente determinada e livre. Mas será mesmo assim?

Muitos críticos do Determinismo Moderado consideram que não. Argumentam que, para que se possa considerar que o agente foi livre ao realizar uma certa acção, é indispensável que ele tivesse possibilidades alternativas de acção, ou seja, que ele não pudesse fazer apenas uma coisa, mas que isso não sucede se todas as acções estiverem determinadas por causas anteriores.

“Há possibilidades alternativas quando o agente no momento imediatamente anterior à sua decisão, tem ainda diante de si mais do que um curso de acção e a acção podia ter sido diferente do que foi mantendo-se todos os outros factores inalterados. Ele disporia de alternativas reais se, e só se, a sua decisão pudesse ter sido outra, mantendo-se tudo o mais idêntico: as circunstâncias em que se encontrava, mas também a sua personalidade, as suas crenças e os seus desejos.” (Adaptado a partir de: Paulo Ruas, “O Problema do Livre-arbítrio”, Crítica - http://criticanarede.com/met_savater.html).

Vejamos um exemplo.

Évarist Galois aceitou participar num duelo contra um indivíduo muito mais hábil que ele no manejo das armas, pois no país e na época em que viveu recusar o desafio para um duelo era considerado uma manifestação de cobardia e quem o fizesse ficava publicamente desonrado e era alvo do desprezo geral. Há pessoas cuja personalidade as torna indiferentes à opinião e sentimentos dos outros, mas Galois não era como elas. (Mais pormenores aqui.) Galois agiu livremente? Ele tinha possibilidades alternativas de acção? Ele podia ter feito outra coisa? Tendo em conta o conceito de possibilidades alternativas referido, a resposta a essas perguntas terá de ser negativa. A influência dos costumes sociais e a sua personalidade (produto de diversos factores sobre as quais não tinha controle), levaram Galois desejar fazer o duelo e depois levaram-no fazer efectivamente o duelo.

Imagine-se dois mundos exactamente iguais em tudo até ao momento da decisão de Galois. Seria possível num dos mundos ele aceitar o duelo e no outro recusar? Não parece possível, uma vez que a sua personalidade, as suas crenças e desejos seriam iguais.

Por isso, argumentam os críticos, a tentativa do Determinismo Moderado conciliar o determinismo e o livre-arbítrio não foi bem sucedida. O determinismo impede que haja reais possibilidades alternativas de acção e sem isso não pode haver livre-arbítrio.

Os defensores do Determinismo Moderado rejeitam essa objecção, pois consideram que esta se baseia num conceito incorrecto de possibilidades alternativas. Não faz sentido exigir que o agente deseje fazer X e possa não o fazer para haver possibilidades alternativas de acção, pois o livre-arbítrio consiste precisamente em poder fazer o que se deseja. Argumentam que Galois podia ter feito outra coisa se tivesse desejado outra coisa e que é isso que significa ter possibilidades alternativas de acção.

“Se a série de causas que conduziu à decisão de aceitar o duelo incluísse outros desejos e crenças, se a sua personalidade fosse em algum aspecto diferente, então, no caso de nada o impedir (ou seja, de não haver coações imediatas), Galois poderia não ter aceite o duelo.” (Adaptado a partir de Paulo Ruas, op. cit.)

Por isso, argumentam os deterministas moderados, o determinismo permite a existência de possibilidades alternativas de acção e é compatível com o livre-arbítrio

O que é mais plausível, a objecção ou a crítica à objecção?

Uma nota final, para continuar a pensar. A personalidade, as crenças e desejos de uma pessoas são o produto de inúmeras causas anteriores que o agente não controla. Muitas vezes vemos pessoas desejarem coisas que nos parecem ser contra os seus interesses, embora elas não se apercebam disso. Se é assim, estará o Determinismo Moderado certo quando considera que somos livres sempre que fazemos o que desejamos?

Bibliografia:

Howard Kahane, “Livre-arbítrio, determinismo e responsabilidade moral”, Filosofia e Educação (http://www.filedu.com/hkahanelivre-arbitriodeterminismo.html).

James Rachels, Problemas da Filosofia, tradução de Pedro Galvão, Gradiva, Lisboa, 2009.

Paulo Ruas, “O Problema do Livre-arbítrio”, Crítica (http://criticanarede.com/met_savater.html).

2 comentários:

Manolo Heredia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Manolo Heredia disse...

No ponto de vista prático, a abordagem que aqui se faz do problema determinismo versus livre arbítrio é tão incorrecta como a abordagem atomista que Zenão faz no paradoxo da seta que nunca atinge o alvo.
Ao homem não interessa a razão pura das coisas mas a razão prática, da mesma forma que à ciência não interessa o conhecimento puro dos fenómenos mas sim o partido que o Homem pode tirar do conhecimento científico.
A abordagem dos dois mundos diferentes para que sejam necessárias duas decisões diferentes é uma abordagem atomista, pois parte em bocadinhos muito pequeninos todas as causas das causas das causas… quando a abordagem prática, com os conhecimentos que temos hoje do funcionamento do cérebro, tem que ser uma abordagem estatística, pois essa é a abordagem mais correcta para discernir sobre fenómenos com muitas variáveis (infinitas variáveis no ponto de vista prático) inter-relacionadas de uma forma complexa. Desde o aparecimento da termodinâmica estatística que isto é sabido.
Hoje sabe-se que os processos de decisão, dentro do nosso cérebro, resultam de “guerras” entre ideias contraditórias lutando por serem seleccionadas, sendo o processo suportado por circuitos electro-químicos em competição. Ganha o circuito mais forte, determinando a decisão. Os derrotados continuam lá, e entrarão em futuros combates quando for necessário tomar outras decisões. O ambiente em que se dá a luta é determinante também de que circuito vai ganhar, isto é, por exemplo no caso do duelo, a decisão de aceitar ou não está também condicionada pelo estado de saúde e emocional do decisor. Podemos imaginar que em outro dia, quando o decisor estivesse influenciado pela doença de um filho a necessitar da sua ajuda, declinaria o duelo, aceitando o estigma de cobarde em troca da possibilidade gratificante de não abandonar o filho. Ora, a doença do filho não é expectável deterministicamente. È aí que está o erro de abordagem.
Dados os milhões de acontecimentos possíveis no instante imediatamente anterior a uma decisão (Biblioteca de Babel) não é possível determinar quais os que estão realmente presentes e esses é que determinam a decisão.
O livre-arbítrio existe e é uma função estatística, uma função de estado.