terça-feira, 29 de março de 2011

Análise filosófica de um anúncio publicitário (2)

Apelo à Piedade (Ad Misericordium)

Esta falácia consiste em apelar a sentimentos, em vez de boas razões, para levar à aceitação da conclusão. Na maior parte dos casos, a pena não é uma boa justificação para aceitar a conclusão de um argumento. Imagine-se, por exemplo, que um aluno fez directa para terminar um trabalho e reclama da nota baixa que teve, invocando a sua dedicação e sacrifício. Ora, será essa uma boa razão para ter uma boa nota?

Não, essa é uma boa razão para admirar o esforço do aluno, porém este  nada tem a ver com o conteúdo do trabalho. Esse argumento destina-se apenas a invocar um sentimento de pena que leve o professor a subir a nota sem apresentar, no entanto, qualquer justificação racional para tal.

No anúncio considerado, encontra-se também presente uma falácia do apelo à piedade. A cena de apedrejamento a uma mulher desperta certamente sentimentos de pena por esta, os quais são, devido à comparação facilmente perceptível (e discutível como foi referido anteriormente), alargados aos touros. Pretende-se assim influenciar a opinião dos espectadores a respeito das touradas, apelando apenas à reacção emocional despoletada por este anúncio.

Neste caso, a pena pelos animais até é uma boa razão para considerar as touradas imorais se partirmos do princípio de que eles sentem dor. No entanto, o que aqui se tenta fazer não se trata de persuasão racional mas sim de manipulação, visto que o objectivo não é fazer as pessoas pensar acerca da dor que os animais sentem mas sim chocá-las com as imagens apresentadas, ao ponto de as suas emoções se sobreporem ao pensamento. Além disso, o anúncio não nos mostra uma tourada mas sim uma pessoa a ser apedrejada e as únicas imagens de touros são mostradas apenas no final. Porque será? Talvez porque algo que toda a gente está habituada a ver não é de maneira alguma chocante pelo que não teria um impacte emocional tão grande na audiência.

Apelo à Tradição

Esta falácia, também  presente no anúncio,  consiste na justificação de acções ou opiniões apelando a tradições. Ou seja, afirma-se que por algo ser praticado há muito tempo, está correcto. Podemos considerá-lo como sendo um argumento de autoridade falacioso em que a autoridade à qual se apela é a tradição. Ora esta é não qualificada, pois o simples facto de algo ser tido como correcto ou praticado há muito tempo não constitui prova alguma da sua correcção ou veracidade. De facto, existem inúmeros exemplos de ideias que, após séculos de certeza, foram provadas erradas. Um exemplo bastante conhecido, e que retrata bem a situação, é o da posição da Terra relativamente ao Sol. O geocentrismo vigorou durante séculos baseado nos princípios religiosos. Contudo, mais tarde, provou-se a incorrecção de tal ideia e admitiu-se a posição heliocêntrica como correcta.

Neste anúncio, a falácia referida não é apresentada de forma explicita. É antes transmitida na parte falada do texto e é contradita pelas imagens e pelo final do anúncio.

O argumento expresso é:

As touradas fazem parte da nossa tradição há muito tempo.

Logo, a realização de touradas deve ser aceite por todos.

Ora, o que se faz no anúncio é refutar tal argumento, dizendo que uma tradição não é razão para se considerar algo como sendo moralmente correcto e dever ser praticado. Aliás, este apelo à tradição é, em parte, o que inspirou a comparação presente no anúncio: tal como na Península Ibérica temos esta tradição de realizar touradas, também os países do Médio Oriente têm a tradição de apedrejar as mulheres que, por exemplo, cometem adultério. Ora, se afirmamos que temos de respeitar a prática de touradas porque se trata de uma tradição, temos de afirmar o mesmo relativamente a tais tradições. No entanto, não o fazemos. Consideramos que tais práticas são completamente imorais, pois existem razões óbvias para o fazer. Apesar disso, os habitantes desses países continuam a fazê-lo porque é uma tradição. Do mesmo modo, realizamos touradas em Portugal porque foi algo que “sempre se fez”. Uma das coisas que o anúncio tenta mostrar - e com a qual concordo plenamente – é que o facto de as touradas serem uma tradição nacional não as torna moralmente correctas. O facto de se realizarem há muito tempo nada tem a ver com as razões que há para o fazer ou não. Aquilo que é relevante e deveria ser discutido é o sofrimento dos animais ou a sua inexistência.

Trabalho realizado por: Ana Marta Nunes e Inês Ambrósio, 11º C.

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